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Papai e vovô Luiz |
Aos 21 anos matriculou-se em dois cursos: Direito, na Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco - Universidade de São Paulo, e Medicina, da
mesma Universidade. Contudo, tempos depois, vitimado por epidemia que grassava
no país, também adoecera, e fora obrigado a deixar o seu grande sonho de
estudar e de pesquisar, para tratar-se, transferindo-se para outra cidade, em
clínica especializada, lá permanecendo por longo tempo. Impedido de continuar
os estudos, passou a cultivar o auto didatismo. Frequentava a biblioteca da
cidade, tornando-se erudito nas áreas em que desejara atuar profissionalmente.
A Cidade Universitária, campus da USP,
começara a ser construída e, ao retornar a São Paulo, empregando-se no
funcionalismo público estadual, profissão grandemente almejada naqueles dias, veio a formar uma das primeiras equipes de
gestão administrativo-financeira daquela instituição acadêmica, locada em sua Reitoria. Já casado e pai
de minhas irmãs, não pudera mais realizar o desejo de formar-se advogado e
médico, mas passou a incentivar os irmãos mais jovens e os sobrinhos, que
vieram a exercer essas mesmas profissões. Violinista com formação clássica e
cultivador da música de Johann Sebastian Bach habituara-se a longas conversas
com meus avós maternos sobre música, e também política, para desespero de minha
mãe, ainda muito jovem. Nutria especial interesse pelo xadrez, sagrando-se
campeão estadual e nacional em diversos torneios em São Paulo.
A história de meu pai assemelha-se à de
centenas de pais oriundos de uma geração de empreendedores que ajudaram a
construir determinados setores da vida pública e acadêmica de São Paulo; porém,
dele ficou-me a lembrança, embora vaga, pois ele falece já idoso, na minha
infância, mas sempre lembrado pelos familiares, de um homem idealista e
perseverante em seus objetivos. Nunca fora religioso no sentido do cumprimento
formal da religião, mas nutria especial apreço pela Doutrina Espírita, cujos
estudos e trabalhos doutrinários desenvolvia juntamente com os irmãos, num
centro inaugurado pelo grupo no bairro do Cambuci, onde também se discutia
Filosofia, pois via neste ramo do saber uma ponte para o efetivo
desenvolvimento consciencial e ético, quando visto sob as luzes da Filosofia
Espírita.
Lutara bravamente contra as enfermidades
que o acometeram, e sua coragem o conduzia, infatigavelmente, ao trabalho e ao
estudo constantes. Tempos depois, já na minha idade adulta, seu Espírito
manifesta-se num centro espírita, relatando as próprias experiências ao
desencarnar. Passados os primeiros momentos de adaptação, dedicara-se ao estudo
perseverante da doutrina de Luz, e afirmava que nós, os encarnados no plano das
formas, jamais poderíamos imaginar a grandiosidade da Filosofia Espírita em
outros níveis de consciência, pois esta retratava fielmente os ensinamentos de
Jesus, mais ampliados e mais belos. Preparava-se para nova reencarnação, com
objetivos específicos de atuação com base na filosofia de seu coração, a espírita.
O jovem, meu pai, que tivera sonhos, como
todo jovem, mas que os deveres se impuseram às realizações mais acalentadas,
trazendo-lhe experiências mais contundentes e sofridas, mas certamente
necessárias ao seu Espírito, hoje, diferente do papai que conhecemos,
transformou-se, e prepara-se para participar do grande momento de renovação da
Terra, assim como milhares de Espíritos, renovados pela Lei de Progresso
vigente em seus corações e raciocínio, como um natural processo da evolução do
ser.
Não sabemos qual a sua missão-tarefa.
Seria indiscreção de nossa parte investigar a respeito. Todavia, fica a
lembrança de um homem idealista, perseverante nas opiniões das quais jamais
abriu mão quando sabia serem corretas, pois pautadas na ética, no trabalho, no
correto cumprimento de seus deveres e obrigações. Meu pai, que a vida não me
concedeu tempo para conhecer mais aprofundadamente, transformou-se, de pai, em amigo, e muito tem me
inspirado às próprias realizações. Hoje, ele tem o infinito à frente para
sonhar, idealizar, planejar, realizar efetivamente. Certamente outros Espíritos
o acompanharão nesse mister. Muito há a fazer e assim será por intermédio das
gerações que devem surgir – e estão surgindo - como um natural processo de
renovação da Terra. Meu pai não mais será o pai que conhecemos, mas um Espírito
renovado em seus novos objetivos.
Assim ocorre, a cada dia. O processo de
atualização do planeta, que gradativamente se despede do plano moral de provas
e expiações, e se prepara para receber a presença de Espíritos renovados para o
Bem, sejam eles da Terra ou oriundos de outros orbes, encontrarão, através da
reencarnação, a realização que almejam, pois trazem consigo, como propósito de
vida, a remodelação da sociedade na qual estarão inseridos. À prevalência do
atual egoísmo vigente, trazem consigo o natural pendor para o altruísmo, para o
entrosamento e a participação. Às constrições do orgulho e da prepotência
humanos, trazem em si mesmos as próprias realizações a fomentarem o progresso
de todos quantos se lhes aproximem.
Até lá, Espírito amigo, caso nos
encontremos ou não, deixo registrada a minha gratidão de filha pela vida
concedida, e pelo afeto de pai, sentimentos cultivados nos dois planos da
existência, distantes pela natureza dimensional, mas próximos através do amor
fraterno, naturalmente por bondosa concessão de Espíritos amigos. A certeza de
que a nossa família espiritual amplia-se a cada dia, com a adesão de todos
aqueles que permutam o mesmo anseio de compartilhar o que há de melhor para o
aprimoramento do Espírito humano, na efetiva ação no Bem, nos conhecimentos
adquiridos, nas experiências acumuladas, e na religiosidade verdadeiramente
sentida em espírito e verdade.
Bibliografia sugerida: Allan Kardec, O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. IV, Ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo,
item 18; cap. XIV, Honra a teu pai e tua mãe. O Livros dos Espíritos, questões
204, 205, 207ª, 208 e 775.